Mês: novembro 2015

ENTREVISTA COM O POETA

“O infinito maior é o próprio homem”, definiu Bandeira Tribuzi. Nauro Machado concorda em gênero, número e grau. Nesta entrevista completamente imaginária a um repórter hipotético, o mestre de “Túnica de ecos” logra explicar que tanto o infinito quanto o homem são regidos pela poesia – que, como se sabe, “é o fim coeso e irredutível dessa busca que o homem, quando poeta, empreende como retorno visionário à sua própria, única e inalienável origem”. Neste momento, abrem-se as cortinas para algumas confissões de um bardo que um dia singrou pelos sete mares da literatura na anafilática “Nau de urano”:

Repórter hipotético: Agora que o senhor encontra-se na terceira margem da existência, o que esperar da vida, de agora em diante?

nauro

Nauro Machado: “Que não me mate o tempo ainda agora/ na minha vida feita de um futuro/ para negar-me ao vivo desta aurora/ a amanhecer após num sol escuro”.

RH: Quantos olhares permite a leitura da tua obra literária?

NM: “Pelo fato de minha poesia abordar certas zonas profundas de uma experiência particular, ela se reveste de uma radicalização metafórica a que falta por vezes a normatividade dos conceitos generalizantes. Embora não elitista, ela nunca chegará a ser compreendida verdadeiramente por muitos. O poeta que a faz e que a vive (ouso dizê-lo) é, não obstante, como tenho observado e sentido, apreciado ou mesmo amado por camadas significativas do nosso povo”.

RH: O que dizer da tua introspecção psicológica, aflorada sob a forma de monólogo interior?

NM: “Benditos sejam pois os que se sabem nada/ Mas dentro desta fossa sendo alguma cousa:/ o sonho de ser tudo, como um mundo, a cada/ sonho que, sendo nada, tudo violenta e ousa”.

RH: Robert Musil definiu o poeta “como o homem que tem mais consciência do que qualquer outro da irremediável solidão do eu no mundo e entre os homens”. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

NM: “Ser poeta/ é duro e dura/ e consome toda/ uma existência”.

RH: Alguns artistas atropelam quaisquer convenções para fazer com que sua arte exista. Poderia comentar essa situação?

NM: “Pois foi de um sonho aberto e feito apenas/ pelo estupor das veias que, de obscenas,/ são da matéria o orgasmo de um sudário./ Ó realidade, ó sombra passageira:/ para fazer-ser coisa verdadeira,/ o próprio Cristo é o sonho do Calvário”.

RH: Sua poesia costumeiramente se realiza por meio de epifanias. Como acontece esse encontro desse fazer poético com as constantes indagações associadas à intensa vontade de viver?

NM: “Na conciliação desses dois extremos, o apolíneo e o dionisíaco, é que vivo minha existência de artista-homem dividido entre o cerebral (forma) e o instintivamente desmesurado e anômalo (conteúdo), tentando unir a metodologia poética de Poe à inspiração sem limites do espírito trágico que me impulsiona e fundamenta o ser dividido que sou. Mas a verdade é que nenhum consolo ou paz me arrima nesse percurso intuído e revelado através da nadificação do Ser pela linguagem como presença ontológica-sensorial do poema”.

RH: Para encerrar: o que o senhor diria aos poetas do amanhã?

NM: “Um atrás do outro, atrás um do outro,/ ano após ano, ano após outros,/ minuto após minuto, século/ após séculos, continuam/ (a conduzir seus madeiros
na perícia dos próprios dramas)/ um atrás do outro, atrás um do outro, ano após/ ano, ano após outros,/ minuto após minuto, século/ após séculos, e de novo/ um atrás do outro, atrás um do outro,/ até a surdez final do pó”.